Saturday, September 19, 2015

Abstenção - Mais do Mesmo

A Banda Desenha

Olhemos para a tira de banda desenhada que o Vasco escolheu para ilustrar o seu texto sobre a abstenção. Trata-se de uma crítica que apresenta três situações como análogas a um argumento típico usado por quem se abstém de votar. Nesta BD um sujeito queixa-se de que uma situação inicial implica outra situação final. A BD argumenta que, de facto,  é a situação final que implica a situação inicial.



Mas será uma comparação válida? Comecemos pelas analogias:

"- As mulheres não estão interessadas em mim, por que razão terei eu de me preocupar com a higiene?"

Segundo o argumento, é a falta de higiene que implica que as pessoas não estejam interessadas no sujeito. Parece-me razoável admitir tal coisa pois a probabilidade de uma mulher não estar interessada num homem que se apresente com má higiene é elevada.

"- Eu sou terrível nesta tarefa no computador, portanto nem vou tentar."

Segundo o argumento, é por não tentar que o sujeito é terrível na tarefa no computador. É razoável admitir tal coisa porque a probabilidade de se saber fazer qualquer coisa sem tentar, ou praticar, a mesma coisa primeiro, é muito baixa.


"- A vida é curta, por isso vou comer tantas sandes de bacon quantas forem possíveis."

Segundo o argumento, é pelo sujeito comer tantas sandes de bacon quantas forem possíveis que a sua vida será curta. É razoável admitir tal coisa porque a probabilidade da vida ser curta se nos alimentarmos incorrectamente é muito mais elevada.

Vejamos agora a versão criticada. Será análoga às outras 3?

"- Os políticos nunca fazem o que o meu grupo quer, portanto eu nunca voto."

Segundo o argumento, é pelo sujeito não votar que os políticos não fazem o que o seu grupo quer. Será razoável admitir que se o sujeito votar os políticos eleitos farão o que o seu grupo quer? A probabilidade dos políticos eleitos fazerem o que o sujeito quer se ele votar é elevada?

Na minha opinião a resposta é: não. A probabilidade não está indexada ao acto do sujeito votar, mas tão somente à quantidade das outras pessoas que têm vontades análogas. De facto as vontades do sujeito podem ser todas cumpridas mesmo sem que ele vote. Basta para isso que todas sejam compatíveis com a vontade da maioria. Para o bem e para o mal, é assim que funciona a "nossa" democracia.

A acção individual de ir votar pouco impacto terá na maneira como os políticos se comportaram. Isto é contrário aos outros 3 exemplos onde cada sujeito tem a capacidade de, de forma individual, corrigir o problema final que de facto implica a situação inicial. A BD apresenta um argumento assente na falácia da falsa analogia.

Pensar que se consegue influenciar a política indo votar é equivalente a pensar que se pode mudar a corrente de um rio mudando o curso de uma gota. Para se influenciar a política numa democracia é preciso influenciar a opinião dos outros, tantos quantos for possível, e mobilizá-los.

Pernicioso

Será então pernicioso não votar? Não. Se admitirmos que a acção individual de votar (ou não votar) tem pouco ou nenhum impacto então nunca podemos admitir que essa é uma acção maligna. Essa conclusão iria contradizer a premissa de onde se partiu.

Lero-lero

Na minha opinião, que já expus noutra discussão parecida mas noutro tom, não há correlação entre a a abstenção e a qualidade dos políticos ou de uma sociedade, nem tão pouco há qualquer causalidade.

Vejamos. Poderíamos admitir que o resultado de umas determinadas eleições onde todos os eleitores fossem eleitores interessados seria o mesmo se se conseguisse uma amostra representativa do ponto de vista estatístico: O resultado de umas terminadas eleições com 10.000.000 de eleitores interessados seria o mesmo qualquer que fosse a amostra representativa da população de eleitores.

Neste caso, e partindo da premissa que ser um eleitor interessado dá bastante trabalho, é fácil de concluir que um sistema muito mais eficiente para o funcionamento da sociedade seria "escolher" uma amostra de eleitores interessados, e apenas esses investiriam o tempo necessário para votarem "bem". O resto das pessoas podia investir o tempo poupado noutras coisas. Este sistema seria mais eficiente e portanto mais lógico. No entanto é possível que vá contra o comportamento normal das pessoas, e que as pessoas "irracionalmente" sejam contra ele. Toda a pessoa quer ter o direito ao voto, e que o seu voto tenha tanto valor como o de qualquer outra pessoa. Mesmo reconhecendo essa pessoa que "não sabe em quem votou, mas votou", e assim cumpriu o seu dever.



Este sistema hipotético, apesar de ser tão inocentemente idealista como um sistema em que as pessoas fossem todas interessadas pela política e assim votassem "bem" (seja lá o que isso for), demonstra que não há causalidade entre uma abstenção baixa e ter bons políticos.

Mas nem era preciso um exemplo hipotético. Podemos olhar para o exemplo que levou o partido Nazi ao poder. Certamente que as pessoas na altura estavam muito mais envolvidas na política do que agora, pois passavam por uma altura de crise severa. E o partido Nazi não ganhou umas eleições de um dia para o outro. Houve várias eleições até chegarem ao poder, e sempre com um turnout muito elevado (da wikipedia):

Resultados da participação nas urnas e do Partido Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazi):

1930: 82% de participação, 18,25% dos votos
1932: 70% de participação, 37.27% dos votos
1932: 80% de participação, 33.09% dos votos
1933: 89% de participação, 43.91% dos votos

E pronto, nas eleições seguintes, no mesmo ano de 1933, já só havia um partido.

Como se vê não há qualquer causalidade entre participação nas urnas e políticas de qualidade. Ficar frustrado com um aparente desinteresse alheio em votar, quer seja por desleixo, quer seja por revolta, quer seja por se ser um eleitor fantasma, quer seja pelo que seja, é focar as frustrações num detalhe de pouca importância.

Seria a sociedade melhor se as pessoas se interessassem e fosse votar de consciência? Talvez... mas isso não vai acontecer de um dia para o outro. É energia desperdiçada lamentarmo-nos que assim não seja. Porque não nos lamentarmos logo que as pessoas não se comportem de uma maneira moral e decente? Repare-se que se todos o fizessem nem sequer seria preciso "política"...

Para mim os políticos e as políticas que uma determinada sociedade tem são um reflexo directo do tipo de eleitores que existem e da cultura e realidade onde estão inseridos. Se no dia a dia das pessoas há pequena corrupção, se há pequenas desonestidades, se há o desinteresse pelo outro, os políticos vão-se comportar da mesma forma. A única diferença é que as suas acções, pelos cargos que ocupam, causam muito mais dano alheio quando comparados com o dano alheio de cada um dos pequenos infratores.

Mas mesmo assim causam muito menos dano que a soma de todos os pequenos danos... Admitamos que por ano cada pessoa gasta 100€ em reparações em casa. Se fugirem ao IVA (quer factura?) deixam de contribuir com 23€ para o estado. Só neste pequeno acto, que cada um certamente justificará como pouco importante, e certamente alegará que "a mim roubam-me muito mais" e que "os políticos é que isto e aquilo", por ano estamos a falar de 230.000.000€. Qual foi a última vez que um político causou um dano desta ordem num só ano ao estado?

Agora se admitir-mos que este tipo de atitudes é o dia a dia de muita gente...

Não faz sentido pensar que se conseguiria partir de uma cultura deste género e mudar a sociedade para melhor apenas conseguindo eleitores conscientes, ou pior, que se conseguisse que mais pessoas fossem votar. Mesmo que se elegessem políticos "de qualidade" e com "boas ideias", não havendo uma população compatível com essas políticas o resultado só poderia ser desastroso.

O correcto funcionamento da sociedade depende de muito mas muito mais. Depende da vontade de cada um de influenciar não o outro mas de si próprio. Depende da vontade de cada um de nós de sermos mais honestos e exigentes com nós próprios. Quando isso acontecer, o resto segue naturalmente.

Vai acontecer? Não sei... Só sei que a acontecer certamente não será de um dia para o outro. Será um processo de evolução linear, que demorará o seu tempo, e que por sua vez dependerá essencialmente de se conseguir manter alguns elementos chave na sociedade durante esse tempo. Elementos como um sistema de ensino universal e de qualidade, que "produza" pessoas melhores.

Entretanto as eleições estão ai, os partidos são o que são, os programas são o que são. Admitir que o futuro poderia ser diferente se as pessoas se interessassem e fossem votar, ou que pelo menos se os que votassem o fizessem de forma informada, é admitir que o resultado das eleições seria diferente se os que se abstém fossem votar.

Não me parece.

Parece-me que mesmo os que se abstém por revolta votariam nos partidos maioritários, contrariando o argumento que é contra-producente a abstenção por revolta. Porquê? Porque usualmente as pessoas  preferem um problema conhecido do que um completamente desconhecido. As mudanças bruscas só acontecem em tempo de crise, tanto para o bem como para o mal. Quem disse que quem se abstém por revolta pensa que os partidos que usualmente não têm tantos votos merecem mais o voto que os que mantém o estado das coisas? Não é necessário que seja assim... de facto, se se pudesse concluir alguma coisa, seria precisamente o contrário pelo facto de, precisamente, essas pessoas não irem votar. Se pensam que os partidos do poder são maus e ao mesmo tempo não votam nos partidos da oposição, o que diz isso da sua opinião sobre a oposição?

Adicionalmente não faz sentido pedir a certo tipo de pessoas que vote. Quem quer apenas meter-se na sua vida, não mandar em ninguém, e apenas que não o chateiem, não vai votar. Não faz sentido ir votar... É contra o seu ideal. Por muito que na prática isso seja contraproducente, porque em determinadas situações não votar implique que "o chateiem" ainda mais, é contra os princípios da pessoa ir votar. Os outros que votem, que façam lá o que têm a fazer, desde que o façam no seu canto.

Mais. Há um risco engraçado de pedir a uma pessoa para se informar antes de votar. É que muitas vezes quanto mais uma pessoa se informa, mais dúvidas tem. E quem é que quer tentar impor a sua vontade aos outros, quando não tem certeza dela?

Entretanto "todos vocês" podem ir votar e ficar a pensar que cumpriram o vosso dever, e que as coisas só não correm melhor porque os outros [inserir desculpa aqui]. Eu já me rendi à vontade da manada, e vou tentando fazer o que o George Carlin ensina. Observando o espectáculo de freaks e vivendo.

E por falar em freaks e política. Está ai o novo espectáculo: Chama-se Donald Trump e tem uma legião de seguidores que certamente serão eleitores interessados, prontos a ir colocar o seu voto na urna...

Bah...